domingo, 14 de novembro de 2010

MADRUGADA

A falta vacila em meu colo falho
os sentidos já adormecem,
menos o desprendido desejo
apelo escarnado do incômodo
eco
silencioso em minha alma
reverbera fria minha carne
menciona  palavras

um pedido:
me abraça?
                            
                                  Ditto Leite 15/11/2010    2 : 05 hs

terça-feira, 2 de novembro de 2010

VIGIA


Busca-me gentil
Salva minha alegria
Debruça em meus lábios o silêncio merecido
Alcançando-me com precisão, das margens ao centro, e, bem dentro,
encontra meu coração
Que de cansaço sei: não morre mais
Seguindo por onde vai minha sorte,
receber de bom grado seu olhar cotidiano e generoso,
enquanto espreitas discreto meu movimento de vida
Quero me acolher sem dar tudo,
sem perder
e merecer sua companhia,
ocupando e dilatando o vazio dos meus dias

                                                           
Ditto Leite   03/11/2010      00:49 hs

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Sem endereço

Entreguei meus pensamentos
antes que tudo acabasse;
arranquei todas as coisas do fundo e disse adeus.
Se encontrasse nas palavras alguma grande surpresa que me livrasse a cara,
olharia pra vc com olhos exatos de quem encontrou uma mira pra fincar os pés
ou um sentido pra seguir.
As certezas levam junto com elas sempre grandes mentiras,
me mantêm neste lugar, sem endereço, onde nada é meu, nem parece me acomodar.

Abri os livros que enfeitam a estante,
tentei voar
e iluminar o caminho de volta,
para aquela parte que já não tenho mais.
Levado pelas mãos de Caio me arrastei pelas esbórnias sujas dos que ficaram sem girar,
sangrei-me os meus pés com Rosa, hiperventilei minha alma cheia de Clarice
e, na profundidade das frases curtas de Adriana, afoguei todo o resto de mim

que é falta.

Antes que tudo acabasse,
entreguei meus pensamentos.
Disse a Deus que arrancasse todas as coisas do fundo.
Se encontrasse nas palavras alguma grande surpresa que me livrasse a cara,
olharia pra vc com olhos exatos de quem encontrou uma mira pra fincar os pés
ou um sentido pra seguir.
Mas, em meu discurso sem pontuação, não cabe mentir:
e me mantenho neste lugar,
sem endereço, onde nada é meu, nem parece me acomodar.

08 10 2010 1: 30 da manhã

PROCURE SABER



Em branco, tudo cabe e pode se redesenhar.

 Ditto Leite   25-09-2010

ENTREGUE

Se queres me tomar pelas mãos,
não me chame: irmão
Aponte um rumo, eleve a fronte.
Sem culpa,
apaga meus olhos, seca-me a boca,
expele meu sangue e sepulcra meu corpo.
Sem faca ou lança,
olha-me e basta,
que assim me atira nesta cor de infinito,
areia movediça que envolve suas negras pupilas
e detona em mim a bomba que carrega seu feitiço.

 Ditto Leite 11/09/2010
Mantenho à distância,
assim sua beleza pode respirar.
Minha presença dissolve sua cor e confunde seus traços.
Se aquietarmos essa agitação, quem sabe, no silêncio,
mergulharemos juntos um dia?
E embriagados na psicodelia multicor desse mar,
dormiremos em paz, embalados pelos cantos de alguma sereia!

29/09/2010

domingo, 17 de outubro de 2010

Primavera, outono e inverno

Como encantamento, num vestido, me ponho a rodar. Dentro do meu quarto, em cima da cama, a rodar. Enamorado, entorpecido e suspenso, embalado pelo tempo: 1 2 3, 1 2 3, 1 2 3. Eternos, internos, tão ternos no meu isolamento. Não consigo parar porque, realmente, acredito que as estações são únicas nesta ilha contida em mim. Passo a passo, 1 2 3, 1 2 3, 1 2 3, afloram e padecem em mim, no meu isolamento. Agora, minha casa é um palácio onde a natureza impera.

Chove enquanto rodo.

A terra cedeu, já não sinto meus pés e o vento me toma em golpes de ar e suspiros enquanto as luzes abandonam minha consciência. Tudo que sou são estações que florescem e padecem rodando 1 2 3, 1 2 3, 1 2 3. Girando e cirandeando1 2 3, 1 2 3, 1 2 3. Num ciclo que se apresenta esboçado, entre bordados e curvas, nas bordas do vestido de peso aparente, mas que se levanta levemente.

Enquanto giro.     
Valsa marítima

Calçados firmes
âncora que balança
suave no movimento do mar

Ventilação das águas
cheias de gosto
salivando a areia

Beira-mar
que termina
deixa restar

Desvairada e barulhenta
a espuma desmaia
com vontade de ficar
Esperando o esperado

A quem se destina meu tempo inválido? Meu tempo frouxo, que não me passa como tempo contado, mas escoado e que fede a mofo! A quem se destina meu olhar solto, largado no vão dos que temem o outro? A quem se destina meu corpo cansado, abatido pelas noites que só o têm castrado? A quem se destina meu coração fatigado, que bate baixinho um soneto calado? A quem reservo meu peito rasgado, de tempo em tempo pelos sentimentos abandonado? Alguém sabe quem me quer ver resgatado?

Exclamo, assustado, “vem,  que a ti me convem entregar meu legado”.


17/05/2010 (5h25 da manhã)
DEDICADO


Amo todo esse ardor que nas letras fartas se imprime
acalentando minha dor e elevando meu decline
Suas palavras como farpas penetrando sem pudor
no meu corpo deixam marcas que outros tempos não deixou
Faz correr na flor da pele um sangue que já amarelou
sob a frescura do desejo que tão jovem se acabou
Amo descomensurado o temor que não reprimo
e quando pede por favor pra que eu me cale, só lastimo!
Esta sede de amor guarda amarga redenção, alimenta minha dor
mas mantem vivo o coração
10 / 06/ 2010
Antes de dormir

Antes de dormir,
é das tuas lembranças que tento fugir
é nos teus olhos que eu queria emergir
é do seu calor que meus poros carecem 
é sem tua boca que meus beijos padecem
é por seu pênis que, tão distante, mantém o meu inerte

É por sua ausência que, antes de dormir, meu dia já amanhece

01/02/09
Nuance de um voo meu
Mais tarde, eu sinto pulsar
um movimento intenso no peito
uma inquietação
sem sujeito, sem verbo
somente sinto sem adjetivar
Mas, até quando sinto, sem jeito,
seu colo eu peço pra me deitar,
acomodar meu corpo, acalmar o anseio
que me deixa sem fôlego
e fora do lugar

Vejo seu rastro
feito um covarde, eu tento,
mas não consigo apagar
Agora somos eu, as estrelas, o mar
e milhas, milhas a nos distanciar

Suas opiniões flutuam sem  rumo
deixam as ondas levar
e eu, sem muito jeito,
pra te arrancar do peito, continuo aéreo:
distância elementar
Com o sangue nas veias
seguindo sem freios
a me palpitar

17/03/2009

Nuance de um voo seu
Seus atos, cotando seu destino
seu caminho irregular com enormes faixas não caminhadas
Já que soube voar inúmeras vezes
e voastes, anjo

Pelos seus pecados
pela sua salvação
condenastes a viver em um mundo construído por ti,
pelos seus anseios e sonhos... tantos, poucos
Condenado pela própria imagem, tão impoluta e contraditória
Ao conhecer seus valores, nenhum
Como o vento, não pertences a ninguém
aos que acaricia ou desnorteia em rompantes vendavais
Livre se vai neste vasto mundo, pequeno pra ti
Ainda te vejo alado em meus sonhos e sinto seu gosto no mais forte veneno, sufocando meus medos e questionamentos existenciais
És meu choro, meu desejo escoado
meu passado, minha surpresa
meu zelo atento, meu colo sedento
minha indignação, minha inspiração

Então, venha e me guia ao próximo dia, ao próximo tempo
Me arrasta, ainda que num único voo, tomado pelo prazer em tuas mãos que me juram a vida desmistificar
Ainda que dela sejamos sujeitos
desmembrar

Encomenda


Ele bateu à porta
– É o carteiro!

Dissimulou,
leu um poema
que ele mesmo escreveu
Disse que era meu
autografou e me entregou
Ele desapareceu
Passaram semanas
não voltou
Talvez morreu
Talvez se mudou
esqueceu-se, de certo,
das palavras
que deixou
Toda razão
A vida corre feito
um desatino no meu peito
Tudo tem um jeito
e eu não sei fazer direito
O meu corpo expõe
todas as coisas que eu tento negar

Minhas vontades súbitas
inundam minha mente
O cérebro trabalha
mas tua força é impotente
Então, me violento
deixo meus impulos me levar

Me levar pra onde for
Sem conceitos, minha dor
nessa hora se desfaz
Já não me importo mais
se sou eu um perdedor
descontente no amor
coisas que nem lembro mais

Vou sair; pela vida irei me encontrar
sob um astro imponente,
ao nascente ou poente,
ilumina-me em qualquer lugar
Vou deixar o passado e me remanejar,
um ser independente que vive o presente
e não teme se adaptar

A vida corre, eu vejo
tanto trampo, tantos medos
Acumulo defeitos
muitos deles nem percebo
em meio aos mistérios
Em qual deles devo acreditar?

Se existe uma saída,
num momento de emergência,
onde estão as pistas?
Perco o foco e me acidento
Já não tenho forças
pra encontrar alguém pra me guiar

Me levar pra onde for,
respeitando minha dor,
nessa hora, se desfaz
Já não me importo mais,
quero conhecer o amor,
mesmo que aumente a dor
Coisas que nem lembro mais.

Vou sair; pela vida irei me encontrar
sob um astro imponente,
ao nascente ou poente,
ilumina-me em qualquer lugar
Vou deixar o passado e me remanejar,
um ser independente que vive o presente
e não teme se adaptar

Deus do vento

Eu, Éolo
Eu que voei
Eu que ninguém segurei nos braços
e cata-vento nenhum girei
Eu que passei
levando a falta de quem nunca me assoprou no ouvido memórias
e fui
Zunindo, em forma de choro
Zunindo, suplicando teu consolo
Eu, Éolo, tão distante de ti,
minha flor, estado físico de minha dor,
a quem ofereço todo o vazio
que de minha liberdade germinou

Eu já vi

Tenho saudades consideráveis
Tenho meus medos,  dispensáveis
Não tenho tempo, se quer saber
Sem teus carinhos vou sobreviver

A chuva corre
O tempo anuncia como quem chora
é hora de ir embora
E você vai com o amor que um dia sentiu

Depois que a chuva levar os erros
e irão brotar um novo amor pra ti
e outro pra mim

Tudo passado foi déjà-vu
Esse é só mais um caso onde o acaso leva ao fim 
Se te consolo assim, amor não é porque não senti quão intenso tornou-se esse amor que acabou tomando conta de mim

  Andejar
Meus pés vigiam o caminho amparado pelo coração
Meus pés estão guardados, calçados por outro chão
Meus pés atados
vigiando o caminho, caminhado ainda não

Venho pelo mar ou ar,
venho à imensidão
venho dançar descalço no calçadão

Eu sei, eu sei...
caminhar é na terra,
no vento, não
Traçar caminhos
calejar os pés
deixando os rastros pelo chão

Memórias
Tenho saudades consideráveis,
sonhos de liberdade, cavalgadas em cavalos selvagens
O silêncio afaga meu ouvido
meu cérebro é lugar desconhecido
onde, por hora, abatem imagens gastas
Divaga meu espírito dentre o passado
e seus vestígios, seu resto, seu lixo
– presente do qual sou merecedor
Rodopiam as imagens e suas distintas saudades
Bendita e plena
Trazem-me as lembranças
que se apoderam do tempo
que afasta meus rastros
distanciando os fatos
encaixotando os retratos
Caio como uma pena
nessa funda vida sedenta
Retalhadas as lembranças,
costuro-as, aqueço-me nelas
Coisas que perco de vista
entranhadas em meu peito
Já não posso vê-las
Como posso esquecê-las?
Amoreiras

Foi pra você que eu semeei amoreiras, pitangueiras, no quintal
Foi pra você que eu desenhei o pôr-do-sol entre as montanhas, o luar e o amanhecer
Foi pra você, pra mais ninguém
E agora vem você dizer que eu já não sou seu bem querer
Pra tão longe foi, amor
sem dizer a ninguém
Sem meus carinhos, vai
me deixando pra trás
se atracar sem cais ao léu do amor

estado civil


 
Fechado no quarto, encho-me de textos, profanos trejeitos que cultivo
E nunca me faltam
Profanos e exaustivos
me prendem ali, me sinto quase fora do chão
me trazem, sim, tempos furtivos, mas
não fingem ser o que não são
Vivo intenso desatino
Vivo sem compreensão
Vivo a falta do que não vivo
Mas a ninguém direi um sim só por medo da solidão

25/05/09
Vou

Vou ao longe
para colorir meu retrato mal falado
e dispersar sua atenção
Fugir do medo de estar preso a algum lugar
Pra mim que só quero viver
avulso
o infinito que minha mente desconhece
e minha alma teima em explorar
Vou
deixar o que tenho
e que, por acaso, ainda não valorizo
Vou,
porque indo sinto vontade de voltar
e a espera pelo dia em que voltarei me trará forças
na luta pelas coisas
que me tornaram livre
para ir e vir
Mistério Colorido

Eu vim pra aqui, eu sei
Eu vim pra aqui, eu sei
Estou aqui, pensei,
não sei pra quê?

Talvez seja porque queria tanto, sim,
me enfeitar daquilo que eu não tinha
e não tenho
E não sei se vou ter

Eu vim pra aqui, eu vim
Já não sabia mais se do lado de lá
ainda havia paz

Eu vim aqui
Eu vim para te encontrar
Oh, eu não encontrei ninguém!

Eu vim pra aqui e estou assim
parado, pensando, ou também dançando
E falo que “não”
mas eu sei que vim pra conhecer
um mundo colorido,
além do que você mostrou,
e não duvido

Pois sei que aqui vai ter surpresas
no futuro ou já
Ou quando for passado,vou lembrar
que aqui foi divertido,
que aqui, eu sei
Hoje, duvido
mas aqui, eu sei, é especial
E eu poderia aproveitar mais
Abro meus olhos para ver
se estou sozinho sem você

Sigo vivendo, seja aqui, seja ali
sem me corromper

E vou cair de amor
um dia, sei que vou
Já me disseram que na vida tudo passa
E eu já não sei por que eu vim parar
aqui nesse lugar
Cê quer saber?
Não sei dizer, não sei dizer

Desabafo afônico de um diálogo com senha pra chegar
Em dias como o de hoje, os pensamentos são suicidas. Se jogam violentamente contra as paredes do coração. Pedem pra sair da cabeça... Penetram olhos adentro, mas destes lágrimas não costumam escorrer. Provocam sufocamentos exigindo demasiado esforço dos pulmões e o peito condena suspiros constantes compostos de um ar filtrado por qualquer esperança.

As palavras potencializadas pela explosão dos gritos são espremidas de volta para dentro. Pela boca e seus dentes, travados seguidos de todos os músculos rígidos e impressionantemente vulneráveis a qualquer sopro externo trazido pelo mundo e seus fatores sempre eloquentes e confusos. São os pensamentos fragmentos criados pela minha emoção, ou por minha ótica hostil. Que teimam em mal interpretar as correntes de acaso do dia a dia.

Não acredito em acaso! Tudo precisa fazer sentido em minha mente questionadora. As respostas já se confundem com suposições e me levam a crer que não tenho mais por que crer. O mistério no qual me mantive interessado em vivenciar já passa batido em meio a tantas perdas. Já que tudo se perde e sempre quero ganhar, minha próxima jogada me induz a entregar tudo, de mãos beijadas:
Meu dinheiro, ou melhor, minhas dívidas;
meu afeto e busca pelo amor ideal;
meu egocentrismo tão cansado de correr atrás de fama e sucesso;
meus esforços em me manter na busca por uma aparente beleza dessas efêmeras que todos querem comprar;
minha libido tão desperdiçada noites afora pela solidão;
meu pudor todo fantasiado de provocantes vestes, jurando ser banalizado,
mas incrustado entre as pernas das grandes raízes patriarcais;
minha arte e suas mãos calejadas, por vezes castradas pelo desinteresse alheio;
e, por fim, minha própria natureza tão impoluta e contraditória.

Não que eu tenha talento pra São Francisco, mas, vindo de um ser que nem seu próprio corpo possuiu, que lucidez é essa em batalhar sangrentamente por conquistas desastrosas? De que valor mereço me cercar? Em que tempo e mundo estão minhas expectativas, meu cofre pra eu depositar? Perdeu-se a confiança pelas senhas misteriosas das inconstâncias, inconstantes como minhas oscilações emotivas. Meus pensamentos são quebra-cabeças que levam a figuras que nunca soube formar.Enquanto isso, espero no sofá a morte vir pra conversar, pra ver se um dia faz valer, tudo que se propõe viver.

19/ 08/07
Mentir com um sorriso no canto da boca

E os meus olhos se encheram de sonhos
E meus pés sentiram o chão se prolongar
E estou só
Mas o sabor das coisas explodem como faíscas na minha frente
Eu quero acordar e sentir o cheiro delas
Meter a boca e deixar meu rosto melado, condenar o meu despojamento

Ser alguém? Ser quem mais?
Só preciso esquecer

Esquecer que um dia fiz, que um dia quis, que um dia deixei de fazer... e renascer
Eu faço como sei, faço como devo, faço como posso
E eu vou...eu vou enlouquecer

Sair fora do tempo
Amar a forma contraditória na deficiência da minha vida
Minha vida que só precisa respirar
E estou aqui, diante do meu faro,
iluminado pelo farol do meu desejo momentâneo
e caminho com os olhos fechados
Confiante, entorpecido
Desafiando o futuro e gozando o aprisionamento que o tempo hoje me consome
Eu estou pra valer
levando meus estandartes com um sorriso agonizante

Eu sou um monte de dentes escancarados e muito fortes
que ponto arrancar a mordidas
qualquer dedo que se atreva  me apontar

Tudo de que eu preciso está aqui
porque eu trago comigo o meu próprio inferno
e paraíso

31/05/09
Desonerar

Sempre sonhei em ter asas
Sempre sonhei em transformar em gestos meus sentimentos mais contidos
Não consigo saber se acredito na vida, é impoluta demais para alguém como eu
Avassalaria com todas as forças meu coração
para arrancar dele a vontade de encontrar razão
na vazão que meu corpo se submete
A razão das coisas ecoam seu vazio
Queria ser um passarinho, um anjinho
quando sempre fui um flagelado
mendigando espiritualidade
             No vão da cama
Sentado na pedreira com os pés descalços, o menino chorava
às suas costas, seu passado murmurava
na forma de um quintal, de terra vermelha, um circo infantil de sonhos eternos
Muitos animais e árvores frutíferas
como sua mente que, enquanto naquele cenário, flamejava
ideias de gigantes
quando agora na memória retarda
foge como seus barquinhos de papel pré-escolar na enxurrada
que seguia correndo, sem medo da água
Correr era de praxe, fosse na água, na areia, na grama, na Rua da Saudade
– Pega ladrão!
Quem roubou minha feliz cidade, meu tempo de tamanha ingenuidade?
Onde eu estava e não era, olhava as coisas sem o medo de esquecê-las
Lembrar dói... e eu não quero crescer

Ai, que choro aflito! Que rancor por ter crescido!
O choro se prolongava e vozes amáveis alentavam sem muito argumentar
Eram suas irmãs:
– Você esta tão bonito, tão melhor agora...

Mas a criança não tinha nem esperanças de ali continuar
Seu desespero era fanático, e, quanto maior fosse, só o faria acordar
Acordar era como morrer
E assim foi, seus olhos se abriram
as lágrimas seguiam correndo e lavando aquele lamento
Agora já tão rapaz, no vão da cama chora sozinho e apela ao desapego
– Esquecer, quem me dera, o sabor o cheiro e as brincadeiras de outrora
amadurecer é, pra mim, quimera
Adeus terra do nunca
Já não sou Alice, Peter Pan, nem alguém que um dia era

Fragmento 3                  

Foi quebrado o silêncio que navegava em minha alma
acometida pelo pecado que atiça meu corpo
Fragmento 4

A arte de se movimentar bem estabelece toda a energia que o ser evoca, expele e difunde. Gera, para sua dança cotidiana, cor e energia. A essência da beleza individual e os códigos que nos levam ao encantamento alheio. Assim, o corpo se torna um instrumento, e não um fim em si mesmo. Hoje, me salta aos olhos não a forma, mas a energia que o corpo imprime
O travesseiro e o poeta

Um dia sonhou, não sei se fingia
embalado por um travesseiro que lhe umedecia
parecia tranquilo e sua feição condenaria
enquanto seus grandes cílios piscavam
como se dissesse sim
que queria

Junto ao travesseiro, descansava, se envolvia
O poeta se permitia sem saber se devia
de quando em quando, no travesseiro
que nem era seu,
de boca, caía

Se a razão lhe atentasse e recuar lhe ocorreria,
bastava dele se aproximar
Mergulhado no travesseiro, esquecia
Agora, ao tempo, refugia
nas lembranças do travesseiro
macio que sentia
Distante do mundo que existe lá fora
em seu quarto,
fecha os olhos e silencia.

05/06/2010